quarta-feira, 3 de abril de 2024

Festival da Eurovisão 1976

Recuemos aos anos 70 para relembrar mais uma edição do Festival da Eurovisão.




O 21.º Festival da Eurovisão teve lugar a 3 de Abril de 1976 no Centro de Congressos de Haia nos Países Baixos. Em virtude da sua vitória no ano anterior, era a terceira vez que os Países Baixos sediaram o certame após 1958 em Hilversum e 1970 em Amesterdão. Participaram 18 países destacando-se os regressos da Áustria, ausente de 1972, e da Grécia que após a estreia em 1974 dispensou a presença em 1975 (por motivos que mais adiante se explicarão), ao passo que a Suécia, o país organizador do Festival anterior, ficou de fora bem como Malta e Turquia. Corry Brokken, vencedora da segunda edição do Festival em 1957, foi a apresentadora, tratando-se da primeira vez que um ex-intérprete concorrente apresentava o evento.

Corry Brokken, vencedora em 1957, foi a apresentadora



Devo dizer que não é musicalmente das minhas edições preferidas da década mas a organização introduziu alguns toques interessantes como o cenário que mudava a cada actuação. Foi também a primeira vez que houve uma ligação à green room onde estavam presentes os artistas dos diferentes países, com um apresentador, Hans van Willigenburg, a falar alguns deles. E como estávamos numa nação sobejamente conhecida pela sua indústria de floricultura, no final de cada actuação, era entregue a todos os cantores um bouquet de flores.  

Os 18 cenários para cada uma das canções



Este foi o segundo ano em que o método de pontuação conhecido como "douze points" foi estabelecido, mas conforme se procedeu até 1979 e ao contrário da ordem crescente que depois viria a ser norma, os votos de cada país foram revelados conforme a ordem de actuação, o que dava azo a alguns lapsos na hora das votações, como aquele que decorreu durante os votos do júri de França, que mais adiante se explicará. 

Como é hábito iremos analisar cada uma das canções concorrentes por ordem inversa à classificação final:

Anne-Karine Strom (Noruega)


Pela terceira vez, Anne-Karine Strom (1951-) representou as cores da Noruega, mas tal como na sua participação em 1974, ficou em último lugar. Um resultado a meu ver algo injusto pois a sua canção "Mata Hari" era um tema disco bem divertido e Strom deu nas vistas com o seu macacão de lantejoulas douradas. Os sete pontos para a canção norueguesa vieram de Portugal e dos Países Baixos (o país de origem da verdadeira Mata-Hari). 

Ambasadori (Jugoslávia)


No final do Festival, o quadro das pontuações dava a Jugoslávia em último lugar com seis pontos, mas na verdade o porta-voz do júri francês esqueceu de anunciar os seus 4 pontos que eram para esse país, um lapso que na altura ninguém reparou. Só mais tarde tal lapso foi corrigido, e como tal a Jugoslávia ficou em 17.º lugar com 10 pontos. O país foi representado pelo grupo Ambasadori com a canção "Ne mogu skriti svoju bol" ("não posso esconder a minha dor"). O grupo originário de Sarajevo fora formado em 1968 com uma enorme rotatividade na formação, que incluiu o representante jugoslavo de 1973 Zdravko Colic. Na altura a vocalista principal era Ismeta Dervoz, sendo que ainda nesse ano foi substituída por outra cantora que ficaria até ao final da banda em 1980.
Esta foi a última participação da Jugoslávia na Eurovisão até 1981, já depois da morte de Josip Broz Tito.    

Braulio (Espanha)


A Espanha ficou em 16.º lugar com 11 pontos. Foi a única vez entre 1972 e 1999 que a Espanha organizou uma final nacional televisionada onde catorze intérpretes competiram com duas canções cada, com a vitória a ir para "Sobral Las Palabras" na voz de Bráulio. Natural das Ilhas Canárias, Braulio Garcia (1945-) iniciara a sua carreira em 1973, e além da Eurovisão, participou em outros festivais como o de Viña Del Mar no Chile (onde venceu em 1979). Desde os anos 80 que Braulio vive nos Estados Unidos, dedicando-se ao mercado latino-americano.

Les Humphries Singers (Alemanha)


Inicialmente a Alemanha esteve para ser representada por Tony Marshall com a canção "Der Star". Mas essa canção foi entretanto desqualificada por ter havido uma actuação pública prévia dela, pelo que foi a segunda classificada, "Sing Sang Song" pelos Les Humphries Singers, quem acabou por representar o país em Haia. Tratava-se de um grupo vocal multinacional fundado em 1969 pelo britânico Les Humphries (1940-2007) que teve vários membros durante a sua actividade até 1980, como por exemplo Liz Mitchell dos Boney M. Os membros que actuaram em Haia foram Jurgen Drews, John Lawton, Judy Archer, Peggy Evers, Jimmy Bilsbury e David O'Brien, com Les Humphries na função de orquestrador. A Alemanha ficaria em 15.º lugar com 12 pontos.

Jürgen Marcus (Luxemburgo)


Da Alemanha vinha também o representante do Luxemburgo, Jürgen Marcus (1948-2018). Numa das raras vezes que o grão-ducado organizou uma final nacional televisionada, que Jürgen venceu com "Chansons pour ceux qui s'aiment" ("canções para aqueles que se amam"). Em Haia, ficou em 14.º lugar com 17 pontos. Jürgen Marcus fora um cantor muito popular na Alemanha nos anos 70, e um dos seus hits "Ein Festival der Liebe" teve uma versão portuguesa do cantor madeirense Gabriel Cardoso. 

Mariza Koch (Grécia)


Dois anos antes, a Grécia tinha-se estreado no Festival mas foi também nesse ano que a ilha de Chipre foi efectivamente dividida em duas partes, no culminar de décadas de conflitos entre cipriotas gregos e turcos, com a invasão da Turquia da parte norte da ilha (que em 1983 declararia unilateralmente a independência). Com as relações cortadas entre Grécia e Turquia, a estreia deste país no Festival em 1975 terá sido a principal causa da ausência da Grécia e no ano seguinte, foi a Grécia a participar e a Turquia a ficar de fora. E a canção grega, "Panaghia mou, panaghia mou" ("minha santa Mãe, minha santa Mãe"), não escondia que era sobre os efeitos devastadores do conflito (é a única canção da Eurovisão a ter na letra a palavra "napalm"), com a voz de Mariza Koch num sentido pedido à Virgem Maria por piedade. Nascida em Atenas e filha de pai alemão (daí o apelido germânico), Mariza Koch (1944-) lançara o seu primeiro álbum em 1971, "Arabas", cuja mistura de música tradicional grega com arranjos electrónicos, alcançou um grande sucesso no seu país. Desde então, Koch continuou bastante activa, com o seu último disco a sair em 2009, mas esta participação no Festival continua a ser o seu mais notório momento internacional. A Grécia ficou em 13.º lugar com 20 pontos. 

Carlos do Carmo (Portugal)


Nos anos que se seguiram ao 25 de Abril, Portugal decidiu tentar outros métodos para seleccionar a sua canção para a Eurovisão. Em 1976, o método escolhido foi escolher directamente um intérprete para cantar todas as canções concorrentes: a escolha acabou por recair sobre Carlos do Carmo, que já então era uma das grandes vozes do fado. Oito canções foram apresentadas pela RTP com a vencedora a ser escolhido pelo público por via postal. No dia 7 de Março, foram revelados os resultados num especial chamado "Uma Canção Para A Europa" apresentado por Eládio Clímaco e Ana Zanatti com comentários de António Vitorino D'Almeida, onde Carlos do Carmo interpretou novamente as oito canções com a participação do autor e/ou compositor da cada canção (entre essas presenças contaram-se Paulo de Carvalho, Fernando Tordo, José Luís Tinoco, Ary dos Santos, Tozé Brito e Manuel Alegre). A canção escolhida foi "Uma Flor de Verde Pinho" com letra de Manuel Alegre e música de José Niza, mas duas outras canções concorrentes viriam a ser mais popularizadas: "No Teu Poema" e "Estrela Da Tarde". Em Haia, a canção portuguesa ficou em 12.º lugar com 24 pontos (incluindo 12 pontos da França - só em 1993 é que se ouviria dizer novamente "Portugal, 12 points"). No ano seguinte, Carlos do Carmo editaria o disco que é considerado o seu magnum opus, "Um Homem Na Cidade", e a sua carreira continuou a granjear grandes glórias como o Globo de Ouro de Mérito e Excelência de 1998. e em 2014, tornou-se o primeiro artista português a receber o prémio carreira dos Grammys Latinos. Carlos do Carmo faleceu no primeiro dia de 2021 aos 81 anos. 

Fredi & The Friends (Finlândia)


A Finlândia ficou em 11.º lugar com 44 pontos. Matti Siitonen (1942-2021), mais conhecido no seu país pelo seu nome artístico Fredi, já tinha representado a Finlândia em 1967, mas nove anos depois regressou ao Festival com um novo visual e acompanhado por um conjunto de cinco vocalistas, os Ystävät (ou como foram creditados no Festival, The Friends), cantando em inglês "Pump Pump", um tema muito bem disposto. Além da música, Fredi também fez carreira como actor e apresentador. 

Red Hurley (Irlanda)


A Irlanda ficou em 10.º lugar com 54 pontos com Vincent Hurley (1949-) a defender a balada "When". Devido à sua frondosa melena ruiva, o cantor também era conhecido como Red Hurley. Depois de ter passado por várias bandas, Hurley tinha iniciado a sua carreira a solo em 1974 e vinha de dois singles que chegaram ao n.º1 no top irlandês. Red Hurley continua activo dividindo a carreira entre a Irlanda e os Estados Unidos. 

Sandra Reemer (Países Baixos)


A representar o país anfitrião, os Países Baixos, esteve Barbara Alexandra Reemer (1950-2017), mais conhecida como Sandra Reemer. Em 1972, a cantora natural da Indonésia já representara o país das tulipas em dueto com Dries Holten como Sandra & Andres, ficando em quarto lugar. Desta vez, Reemer ficou em nono lugar com 56 pontos com "The Party Is Over Now" e em 1979, regressou para uma terceira participação, agora sob o nome de Xandra. 

Pierre Rapsat (Bélgica)


A Bélgica ficou em oitavo lugar com 56 pontos. Pierre Rapsat (1948-2002) defendeu o tema "Judy et Cie.", um tema melancólico em que a titular Judy se debate com problemas de imagem, chegando até a rezar a Santa Marilyn Monroe. Apesar da letra algo inaudita, a sonoridade da canção faz-me lembrar a música dos filmes da Emmanuelle. Falecido prematuramente em 2002 com 53 anos, em 2005, Pierre Rapsat foi votado como o 51.º maior belga de todos os tempos!

Romina Power & Al Bano (Itália)


A célebre dupla Al Bano & Romina Power representou a Itália. Albano Carrisi (1943-) e Romina Power (1951-), filha do actor de Hollywood Tyrone Power, conhecerem-se em 1967 durante a rodagem de um filme e viriam a casar três anos mais tarde. Em 1975, começaram também a actuar como dupla musical e no ano seguinte, apresentavam-se então em Haia. Aproveitando as raízes americanas dela e as regras que na altura permitiam liberdade de idiomas, ela cantou em inglês e ele em italiano "We'll Live It All Again". Apesar de um engano de Al Bano ao início da actuação, obtiveram 69 pontos e ficaram em sétimo lugar. Albano e Romina continuaram a somar mais sucessos nos anos seguintes, tendo vencido o Festival de San Remo de 1985 com "Ci Sará" e regressando à Eurovisão no ano seguinte com "Magic Oh Magic". Em 1994, a sua filha mais velha desapareceu em Nova Orleães (foi declarada como morta em 2014), um enorme desgosto que ditaria o fim da relação e da parceria musical de ambos em 1999. Porém os dois têm voltado a actuar ocasionalmente desde 2013. Al Bano estaria presente pela terceira vez na Eurovisão em 2000, no coro da canção da Suíça. 

Chocolate Menta Mastik (Israel)



Israel foi representado pelo trio feminino Chocolate Menta Mastik composto por Yardena Arazi (a morena), Leah Lupatin (a loura) e Ruth Holzman (a ruiva). Quais Anjos de Charlie, as duas cantaram e dançaram em harmonia para defender o tema "Emor shalom" ("dizer olá"), ficando em sexto lugar com 80 pontos. Após o fim do grupo em 1978, Yardena Arazi apresentou o Festival da Eurovisão de 1979 em Jerusalém e voltaria a representar o país em 1988. Leah Lupatin substituiu Galit Atari como a vocalista feminina do grupo Milk & Honey, vencedores do Festival da Eurovisão de 1979 com "Hallelujah", tendo inclusivamente sido ela a marcar presença durante a gala especial dos 25 anos do Festival da Eurovisão em 1981. 

Waterloo & Robinson (Áustria)

Ausente desde 1972, a Áustria regressava ao Festival, representada pelo duo Waterloo & Robinson. Johann "Waterloo" Kreuzmayer (1945-) e Josef "Robinson" Krassnitzer (1947-) actuavam juntos desde 1971 e a Haia levaram a canção "My Little World". Com 80 pontos, repetiram o quinto lugar da última participação austríaca em 1972. Waterloo & Robinson continuam no activo, quer juntos, quer em projectos a solo e em 2004, quase que regressavam à Eurovisão, ficando em segundo lugar na final nacional austríaca desse ano. 


Sue Schell dos Peter, Sue & Marc (Suíça)
com o palhaço do realejo


Pela segunda de que seriam quatro vezes, o trio Peter, Sue & Marc representou a Suíça. Depois de em 1971 terem cantado em francês, agora levaram um tema em inglês, "Djambo Djambo", sobre um palhaço no ocaso da carreira. A acompanhá-los estava um palhaço a tocar realejo cujo aspecto não fazia muito para acalmar aqueles que sofressem de coulrofobia. Pessoalmente, acho a mais fraca da tetralogia de canções dos Peter, Sue & Marc, mas foi das que obteve melhor resultado, o 4.º lugar com 91 pontos. O trio voltaria a participar no Festival em 1979 (em alemão) e em 1981 (em italiano). 

Mary Christy (Mónaco)


O Luxemburgo era conhecido por importar cantores de outros países para representar o grão-ducado no Festival e, como já se viu, em 1976 não foi excepção. No entanto, nesse ano também deu-se o caso inverso, pois houve uma cantora luxemburguesa a representar outro país, mais precisamente o Mónaco. Maria Christina Ruggeri (1952-) nascera no sul do grão-ducado mas tinha-se mudado para Paris no início dos anos 70 quando passou a actuar sob o nome de Mary Christy. Pelo principado do Mónaco cantou "Toi, la musique et moi" ficando em terceiro lugar com 93 pontos, recebendo (obviamente) doze pontos do Luxemburgo.       

Catherine Ferry (França)



Em segundo lugar ficou a França, com Catherine Ferry (1953-) e "Un, deux, trois". Este foi o primeiro grande momento de notoriedade na carreira de Ferry mas ela esteve bem à altura, somando 147 pontos. No coro estava Daniel Balavoine, que viria tornar-se nos anos seguintes um dos mais aclamados cantores e compositores franceses (destacando-se o hit de 1985 "L'Aziza") até que faleceu tragicamente aos 33 anos num acidente de helicóptero durante o Rali Paris-Dacar de 1986. Catherine Ferry continuou activa na sua carreira, destacando-se a sua participação na versão francesa do musical "Abbacadabra" no papel de Alice (que na versão portuguesa foi desempenhado por Suzy Paula). Em 1990, Ferry abandonou a carreira para se dedicar à vida familiar, tendo voltado a actuar ocasionalmente desde 2008. Em 2010, "Un, deux, trois" foi incluído no filme francês "Potiche" com Catherine Deneuve e Gérard Dépardieu. 

Brotherhood Of Man (Reino Unido)


Tal como no ano anterior, a canção vencedora foi a primeira a actuar (algo que só voltou a acontecer em 1984). E esta terceira vitória do Reino Unido foi absolutamente arrasadora obtendo 164 pontos em 204 possíveis, com sete países (incluindo Portugal) a atribuir 12 pontos e desde então que "Save Your Kisses For Me" dos Brotherhood Of Man se tornou um dos grandes clássicos eurovisivos. O grupo tinha sido formado em 1969 pelo produtor Tony Hiller e na sua fase inicial teve uma formação rotativa de vários vocalistas. Em 1970, os Brotherhood Of Men obtiveram um hit internacional com "United We Stand" em que uma das vozes era de Tony Burrows que nesse ano também fez sucesso como vocalista dos Edison Lighthouse, a banda one-hit wonder de "Love Grows (Where Rosemary Goes)". Em 1973, os Brotherhood Of Men passaram a ter quatro membros fixos: Martin Lee, Lee Sheriden, Nicky Stevens e Sandra Stevens (sem parentesco). Com esta formação, tiveram alguns hits na Bélgica, mas foi só mesmo com "Save Your Kisses For Me" que os Brotherhood Of Men voltaram à ribalta no seu país natal. "Save Your Kisses For Me" continua aliás a ser a canção do Festival da Eurovisão comercialmente mais bem-sucedida no Reino Unido, onde vendeu um milhão de cópias e foi o single mais vendido de 1976. Os Brotherhood Of Man obtiveram mais dois singles no primeiro lugar no top britânico: "Angelo" (um decalque do "Fernando" dos ABBA) em 1977 e "Figaro" em 1978. Mas apesar do sucesso comercial ter desvanecido no início dos anos 80, os Brotherhood Of Man continuaram no activo com a mesma formação até 2022. Nicky Stevens continua a ser até ao momento a única cantora natural do País de Gales a vencer a Eurovisão. 






Festival da Eurovisão 1976: 





sexta-feira, 8 de março de 2024

Festival RTP da Canção de 1984

No dia de mais uma aniversário da RTP, recordamos uma edição do Festival RTP da Canção, desta feita a 21.ª edição que teve lugar há quarenta anos (7 de Março de 1984) no Auditório Europa em Campo de Ourique, Lisboa.




Foi uma edição bastante particular pois em vez do método habitual de votação por parte de júris distritais, desta vez a escolha da canção que iria representar Portugal no Festival da Eurovisão desse ano a ter lugar no Luxemburgo esteve a cargo de um júri de dezoito personalidades da vida cultural portuguesa, nove deles convidado pela RTP e os outros nove por um conjunto de autores. O júri era composto por Ana Bola, António Macedo, Carlos Cruz, Beatriz Costa, Herman José, Maluda, Tonicha, Rui Mendonça, Teresa Silva Carvalho, Carlos Pinto Coelho, Carlos Ventura Martins, Henrique Mendes, Luís Vilas Boas, Jorge Costa Pinto, Tomás Taveira, Yvette Centeno e Virgílio Teixeira.

Manuela Moura Guedes e Fialho Gouveia foram os apresentadores


A apresentação esteve a cargo de Fialho Gouveia e Manuela Moura Guedes. Os dois anunciaram que a RTP também estava a preparar outro tipo de festival de música, que se pretendia não-competitivo, descentralizado e destinado a um público mais jovem, mas a ideia acabaria por não se concretizar.

As 18 figuras públicas que compuseram o júri


Além do júri com tantas figuras ilustres, também foram muitas as caras conhecidas que estiveram na competição desse ano, sendo que vários desses intérpretes já tinham participado antes no Festival e alguns até já o tinham vencido antes.

Linda de Suza foi a convidada musical



A actuação da primeira parte esteve a cargo de Linda de Suza, a célebre artista portuguesa consagrada em terras francesas, onde não faltou o seu grande hit "Un Portugais" e um improviso de "Tia Anica de Loulé". Linda de Suza presidiu ao júri mas sem direito a voto. (Aquando do seu falecimento a 28 de Dezembro de 2022, esta edição do Festival foi disponibilizada na RTP Arquivos em jeito de homenagem.) Seria também nesse ano de 1984, que Linda de Suza publicaria a sua autobiografia "A Mala de Cartão" que mais tarde seria adaptada para uma série televisiva.    

Devido a uma greve dos músicos, as dezasseis canções (com uma notória excepção) em concurso foram interpretadas sob música pré-gravada. Numa primeira fase, cada membro do júri indicava quais dessas canções que queriam que passasse à fase final com seis canções. A maioria dos jurados indicaram seis canções, mas Carlos Pinto Coelho indicou apenas cinco enquanto Herman José e Carlos Ventura Martins indicaram sete. 
Na fase final, cada membro do júri pontuava as seis canções finalistas de 1 a 10, com a vitória para a canção mais pontuada.

Segue-se uma breve retrospectiva das canções em concurso por ordem inversa da classificação.

"Num Olhar", interpretado por Marisa, foi
uma das quatro canções sem quaisquer pontos


Quatro das dezasseis canções não obtiveram qualquer ponto do júri na primeira fase. Foram elas:
- "Num Olhar", interpretada por Marisa, nome artístico de Maria José Almeida.
- "(O Nosso) Reencontro", interpretada por Isabel Soares, que somava quatro participações no Festival como membro do grupo Bric-À-Brac (do qual também fazia parte o seu marido Manuel José Soares) bem como uma participação a solo em 1979 com "Cantiga De Amor".
- "Este Quadro", uma das três canções interpretadas por Samuel nesse ano, esta em dueto com Cristina.
- "Cidade Mar" na voz de José Campos e Sousa, um dos membros fundadores da Banda Do Casaco e que integrou o grupo A Fantástica Aventura nas participações nos Festivais de 1977 ("A Flor E O Fruto") e de 1980 ("Ai, Ai, Tão, Tão").

Rita Ribeiro cantou "Notícias Vêm, Notícias Vão"

Apenas Beatriz Costa votou na canção "Notícias Vêm, Notícias Vão" na voz de Rita Ribeiro. Então já uma consagrada actriz, a filha do lendário Curado Ribeiro também já tinha demonstrado os seus dotes de cantora. Esteve na formação dos Green Windows que participou em dose dupla no Festival de 1974 com "No Dia Em Que O Rei Fez Anos" e "Imagens" e na das Cocktail com Maria Viana e Fernanda "Ágata" de Sousa que participou em 1979 com "Amanhã Virás". A acompanhar Rita Ribeiro esteve um coro de cinco vozes, incluindo uns muito jovens José Raposo e Maria João Abreu. Infelizmente, esta foi a única das dezasseis canções que não teve edição em disco. 

As Doce ao leme do "Barquinho da Esperança"


Depois de terem ganho em 1982, as Doce regressavam ao Festival pela quarta vez, agora num registo diferente com a balada "O Barquinho Da Esperança", da autoria de Miguel Esteves Cardoso e Pedro Ayres Magalhães. A canção já conheceu algumas versões nomeadamente de Sara Tavares (que chegou a ter Laura Diogo como sua manager). Porém, desta feita, "O Barquinho da Esperança" só conseguiu os votos de Jorge Costa Pinto e Tomás Taveira. 

Fernando Tordo no seu "Canto De Passagem"

Presença regular no Festival nos anos 70, incluindo duas vitórias em 1973 e em 1977 (como membro de Os Amigos), Fernando Tordo participou nesse ano pela última vez como intérprete com a canção "Canto De Passagem", com música do próprio e letra de Joaquim Pessoa, recebendo seis indicações do júri.
Duas canções receberam oito indicações do júri, e uma delas foi também da autoria de Fernando Tordo e Joaquim Pessoa, "Tricot De Cheiros" interpretado por Zélia Rodrigues, na sua terceira participação no Festival após 1980 e 1981. A outra foi mais uma das canções interpretadas por Samuel, "Maneira de Ser".

O Quinteto Paulo de Carvalho esteve muito perto de passar à fase final


Com nove pontos e falhando por pouco a passagem à fase final com nove indicações foi a canção "(Já) Pode Ser Tarde" do Quinteto Paulo de Carvalho que além do próprio continha Helena Isabel, André Sarbib, Miguel Braga e Carlos Araújo. Paulo de Carvalho, como é bem sabido, tinha duas vitórias no Festival em 1974 com o literalmente histórico "E Depois Do Adeus" e em 1977 como um de Os Amigos de "Portugal Na Coração". Mas também Helena Isabel teve diversas passagens pelo Festival em 1974, em 1980 (a solo e como parte dos grupos S.A.R.L. e As Alegres Comadres) e 1983. Desta vez os dois juntaram vozes nesta canção, além de ser assaz conhecido o facto de terem durante muito tempo feito outro tipo de música cuja obra mais conhecida foi o filho Bernardo (que é como quem diz, o Agir). Este projecto de Quinteto não foi além deste tema, mas no ano seguinte Paulo de Carvalho conheceria outro dos seus pontos mais altos na carreira com o sucesso do álbum "Desculpem Qualquer Coisinha", que tinha o hit "Os Meninos do Huambo".  

A tecnologia de ponta da RTP em 1984







Estas foram as seis canções que avançaram para a fase final:

António Sala trouxe "Uma Canção Amiga"


Em sexto lugar, com 10 indicações e depois 82 pontos, ficou "Uma Canção Amiga" interpretada por António Sala. Então já uma figura célebre na rádio, na televisão e na sua carreira musical (a solo, com a esposa Elisabete e com os Maranata), António Sala participava pela segunda vez no Festival como intérprete depois de concorrer em 1980 em dueto com Alexandra em "Uma Razão De Ser". Esta "Canção Amiga" tinha música do próprio Sala para letra de Carlos Castro. (Sim, esse mesmo, o cronista social que viria a ter um celebremente horrífico fim de vida no início de 2011.)

5.º lugar e o prémio de Melhor Interpretação para Adelaide Ferreira


Em quinto lugar, com 11 indicações e 109 pontos na fase final, "Quero-te, Choro-te, Odeio-te, Adoro-te" na voz de Adelaide Ferreira, cujo desempenho valeu-lhe o prémio de melhor interpretação que teve o nome de Ary dos Santos, em homenagem ao lendário poeta e letrista desparecido no início desse ano. Adelaide Ferreira estivera no Festival de 1980 como parte do grupo all star As Alegres Comadres que também incluía a sua irmã Mila, Helena Isabel e Ana Bola. Embora tenha surgido no panorama musical nacional como roqueira com hits como "Baby Suicida" e "Trânsito", os seus opus mais célebres nos anos vindouros seriam powerballads como "O Papel Principal", "Dava Tudo" e claro, "Penso Em Ti (Eu Sei)" com que ganharia o Festival do ano seguinte. Ainda nesse ano de 1984, Adelaide Ferreira representou Portugal no Festival da OTI com "Vem No Meu Sonho" com que obteria o segundo lugar, a melhor classificação de sempre do nosso país nesse certame.  

Paco Bandeira com "Que Coisa É Esta Vida"

Em quarto lugar, com 11 indicações e depois 110 pontos, ficou "Que Coisa É Esta Vida" defendida por Paco Bandeira. Tal como Fernando Tordo e Paulo de Carvalho, o cantor natural de Elvas tivera várias participações no Festival ao longo dos anos 70 (destacando-se os dois segundos lugares em 1972 e 1973) e tinha aqui a sua derradeira presença como intérprete. A sua canção falava dos lamentos de uma dona de casa e não faltavam menções às telenovelas "Pai Herói" e "Gabriela" que estavam em exibição na altura na RTP (a segunda em reposição na RTP2). Foi também nesse ano de 1984 que Paco Bandeira lançou o álbum "Semibreves" que incluía o grande hit "A Ternura Dos Quarenta".

Vestidos a rigor, a Banda Tribo cantou "A Padeirinha de Aljubarrota"


 
Em terceiro lugar com 12 indicações e 113 pontos na fase final ficou a proposta que mais soava a 1984, ainda que falasse de uma célebre figura do século XII que se tornou uma lenda da História de Portugal. "A Padeirinha de Aljubarrota" foi interpretada pela Banda Tribo composta pelos irmãos José Gonçalo e Fernando Amaral Gomes, José Manuel de Oliveira, Mário Jorge Ferreira e João Paulo Pereira, acompanhados por Ana Sofia Cid. (Sendo esta filha de José Cid e os dois primeiros sobrinhos do cantor de "A Minha Música".) Os seis apareceram em palco trajados a rigor, eles de pajens e ela como a titular padeirinha, José Gonçalo Amaral Gomes participaria mais três vezes a solo no Festival; em 1988 com "Cai Neve Em Nova Iorque" (cuja versão do tio seria um hit nesse ano) e depois, sob o nome de Gonçalo Tavares, em 2010 e 2015.  

Samuel interpretou três canções neste Festival,
sendo que "Pelo Fim Da Tarde" ficou em segundo lugar.

Em segundo lugar, a terceira canção defendida por Samuel neste Festival, "Pelo Fim Da Tarde" com 14 indicações e 140 pontos na fase final. Samuel Quedas, mais conhecido por Samuel tout-court, iniciara a sua carreira em 1972 com o EP "O Cantigueiro" e esteve associado ao género de canção de intervenção até que gradualmente foi transitando para a música ligeira. Além destas três canções deste ano, tinha também várias presenças nos Festivais desde 1979, tanto a solo como integrando os S.A.R.L. Nesse ano de 1984, Samuel participaria na versão portuguesa do musical "ABBAcadabra" que versionava várias músicas dos ABBA, quer no disco quer no subsequente telefilme no papel do Soldadinho de Chumbo. 

Maria Guinot foi a grande vencedora com "Silêncio E Tanta Gente"


Porém nesse ano, o troféu foi parar indiscutivelmente às mãos de Maria Guinot com aquela que seria o seu magnum opus "Silêncio E Tanta Gente". Na primeira fase, a canção recebeu a indicação de 17 dos 18 membros do júri (o único que não o fez foi Herman José!) e na fase final obteve 150 pontos. Maria Guinot tivera uma breve estreia na música em 1968 e após de alguns anos afastada dessas lides, regressara em 1981 apresentando-se no Festival desse ano com "Um Adeus, Um Recomeço". Mas seria em 1984 que viveria com esta vitória o seu ponto mais alto, tendo sido a única que tocou ao vivo ao piano, acompanhada no refrão por Inês Martins, membro do coro da Gulbenkian. É assaz consensual que "Silêncio E Tanta Gente" é uma das melhores canções que levámos à Eurovisão e o 11.º lugar que obteve no certame desse ano no Luxemburgo foi deveras injusto (ainda que tenha sido o melhor resultado de Portugal entre 1981 e 1990 inclusivé). Maria Guinot continuou a sua carreira até meados dos anos 2000, quando começou a enfrentar vários problemas de saúde, vindo a falecer em 2018 aos 73 anos. Mas para sempre ficou esta gloriosa vitória no Festival RTP da Canção de 1984 e a sua belíssima canção. Será que mais alguém trocaria a sua vida por um dia de ilusão? 

Linda de Suza cumprimentando Maria Guinot pela sua vitória



Festival RTP da Canção 1984
Na RTP Play Palco: https://www.rtp.pt/play/palco/p12950/festival-da-cancao-1984
Na RTP Arquivos: Parte 1 Parte 2 Parte 3

"Silêncio E Tanta Gente" Maria Guinot (Festival RTP da Canção 1984)


O videoclip filmado na Madeira:


Actuação no Festival da Eurovisão 1984



Uma vez mais uma palavra de agradecimento ao site Festivais da Canção e aos autores do livro "Portugal 12 pts", João Carlos Calixto e Jorge Mangorrinha. 




sexta-feira, 26 de janeiro de 2024

Vale Tudo (1988-89)

Será a honestidade sempre o melhor caminho para viver a vida? Ou será que se trata de um valor ultrapassado e para se subir na vida vale tudo, sobretudo quando se vive num país tão cheio de contrastes e desníveis sociais como é o Brasil? O conflito entre essas duas ideias foi um dos temas principais da telenovela "Vale Tudo", da autoria de Gilberto Braga em parceria com Aguinaldo Silva e Leonor Bassères.
A versão original no Brasil, exibida entre 1988 e 1989, teve 204 capítulos, mas em Portugal passou a versão internacional encurtada com somente 140 capítulos. A telenovela passou na RTP1 em substituição de "Sassaricando" entre 6 de Dezembro de 1989 e 22 de Junho de 1990. Além do número de capítulos, os genérico das duas versões tinham algumas diferenças, nomeadamente o tema de abertura, "Brasil" interpretado por Gal Costa, passar na versão instrumental (à excepção de três capítulos, incluindo o último).  



No centro da trama e do confronto moral que a percorre estão mãe e filha, Raquel Aciolli (Regina Duarte) e Maria de Fátima (Glória Pires) que quando começa a telenovela moram juntas em Foz do Iguaçu. Raquel guia a sua vida pela honestidade e a ética enquanto Fátima está decidida a subir na vida a qualquer preço sem olhar a quem tem de passar por cima. Como tal, quando o seu avô materno morre, Fátima vende a casa em que viviam (e que o avô deixara em nome da neta) e parte para o Rio de Janeiro, deixando Raquel sem nada.

Raquel e Maria de Fátima



Chegada ao Rio, Fátima envolve-se com César (Carlos Alberto Ricelli), um antigo modelo e surfista que agora ganha a vida como gigolô, que se torna seu cúmplice nos seus esquemas para subir na vida. Para poder conquistar Afonso Roitman (Cássio Gabus Mendes), herdeiro de um grande império empresarial, Fátima faz-se amiga da namorada dele, Solange Duprat (Lídia Brondi) com quem passa a morar. Solange é uma elegante produtora de moda numa revista que ajuda Fátima a integrar-se no Rio de Janeiro até que esta a trai armando uma situação em que faz Afonso acreditar que Solange está envolvida com César. 

Afonso e Solange


Enquanto isso, Raquel também vem para o Rio de Janeiro em busca da filha, onde rapidamente faz grandes amigos como Audálio (Pedro Paulo Rangel), cujo optimismo inquebrável lhe vale a alcunha de Poliana. Raquel começa por vender sanduíches na praia mas gradualmente vai conseguindo estabelecer um negócio próspero na restuaração ao mesmo tempo que se apaixona por Ivan Meirelles (António Fagundes), que trabalha na companhia de aviação TCA, uma das maiores empresas do grupo Roitman. Ivan é recém-separado de Leila (Cássia Kis) com quem tem um filho adolescente Bruno (Danton Mello), e vive com o seu pai Bartolomeu (Cláudio Correia e Castro) mais a segunda mulher deste, Eunice (Íris Bruzzi) e a filha dela, Fernanda (Flávia Monteiro). Ivan tem bom fundo mas acredita que nem sempre a honestidade é o melhor caminho e que por vezes há que se desviar dela para subir na vida, algo que vai levantar problemas na sua relação com Raquel.

Raquel e Ivan


César e Odete

Fátima acaba por ficar noiva de Afonso, cuja mãe Odete (Beatriz Segall) é a dona do império dos Roitman. Odete é a típica milionária arrogante que se acha superior a todos, até mesmo ao próprio Brasil, pelo que raramente evita ir ao seu país de nascença, preferindo viver em Paris. Para conquistar a confiança da futura sogra, Fátima alinha no plano de Odete para separar Raquel de Ivan, com quem pretende casar a sua filha Helena (Renata Sorrah).

Celina, Eugénio e Helena

Helena é pintora e tem um problema grave de alcoolismo, no qual se refugiou desde a morte do seu outro irmão, num acidente do qual ela se crê culpada. Helena foi casada com Marco Aurélio (Reginaldo Faria), o vice-presidente do Grupo Roitman e director da TCA, de quem teve um filho, Tiago (Fábio Villa Verde). Marco Aurélio é um homem arrogante e desonesto que nunca ligou para a ex-mulher e que despreza o filho, cuja sensibilidade do rapaz e o seu interesse pelas artes o levam a pensar que Tiago é gay. No entanto, Tiago acabará por se apaixonar por Fernanda e namorar com ela. Da família Roitman faz ainda parte Celina (Natália Thimberg), que ao contrário da irmã Odete, é uma mulher bondosa e a grande protetora dos sobrinhos, desconfiando das intenções da Fátima.

Fátima tem a sua grande oportunidade quando Ivan e Raquel acham uma mala com dinheiro que Marco Aurélio desviou da TCA. Raquel quer devolver o dinheiro enquanto Ivan é tentado a ficar com ele porque ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão. Fátima descobre a mala e foge com ela, levando a mãe a crer que foi Ivan e causando a ruptura da relação. Como tal, Fátima tem a benção de Odete para casar com Afonso e até aplaude as atitudes da futura nora quando Raquel descobre tudo e desmascara Fátima. Ivan também acaba por casar com Helena, mas prontamente arrepende-se e procura de novo Raquel, mas Odete está disposta a tudo para os separar e elabora um plano de sabotagem para arruinar o negócio de Raquel.

Fátima casa com Afonso e passa a viver no maior dos luxos, sustentando também César, e acaba por engravidar. Mas quando a relação de Fátima e César é descoberta, a rapariga é desprezada por Afonso e Odete e colocada sob vigilância até se saber quem é o pai do filho. E assim que fica provado que o pai é César, Fátima é expulsa da casa dos Roitman e fica completamente sozinha, até porque César entretanto se envolve com Odete. Raquel também lhe nega auxílio, aceitando apenas cuidar do neto. Fátima decide então aproximar-se de Marco Aurélio e vingar-se dos Roitman dando um grande golpe. 

Marco Aurélio e Leila

Também as coisas começam a correr mal para Odete: apaixonada por César, decepciona-se quando descobre que ele ainda se encontra com Fátima. E no mesmo dia em que descobre de todos os roubos e desvios que Marco Aurélio fez na TCA, é assassinada a tiro. O mistério sobre quem terá sido o assassino domina a recta final da novela até que no último episódio é revelado que tinha sido Leila, que entretanto casara com Marco Aurélio e que desconfiava do envolvimento dele com Fátima, sendo esta o seu alvo e não Odete.  

Se não estou em erro, "Vale Tudo" foi ainda a primeira telenovela a incluir um casal lésbico que vivia junto abertamente: Cecília (Lala Deheinzelin) e Laís (Cristina Prochaska) vivem juntam há doze anos e gerem uma pousada em Búzios, além de serem investidoras no negócio de Raquel. Cecília é irmã de Marco Aurélio que nunca aceitou a sua homossexualidade, mas tal não lhe impede de, quando ela morre num acidente, de tentar ficar com a herança da irmã e deixar Laís sem nada.

Cecília e Laís


No final, Raquel consegue recuperar os seus negócios depois de terem quase falido depois das sabotagens orquestradas por Odete e fazer a cadeia de restaurantes prosperar de novo. Porém,  Ivan é condenado a um ano de prisão pelo seu envolvimento em algumas falcatruas da TCA, ao longo do qual, escreve um livro chamado "Vale Tudo" denunciando as corrupções de que foi testemunha no mundo empresarial. Após cumprir a pena, Ivan e Raquel ficam finalmente juntos e felizes, criando em conjunto o filho de Fátima. Afonso e Solange reconciliam-se e têm uma filha. Helena conhece William (Dennis Carvalho), um ex-alcoólico que lhe incentiva a frequentar os Alcoólicos Anónimos e dá os seus primeiros passos rumo à recuperação, descobrindo também que fora vítima do gaslighting de Odete, a verdadeira responsável do acidente que vitimou o irmão. E Laís vê a justiça a dar-lhe razão na sua luta pela herança de Cecília e volta encontrar o amor junto de outra mulher, Marieta. 

Porém os vilões também têm final feliz. Marco Aurélio consegue fugir do Brasil e dos golpes que cometeu, chegando a fazer um manguito ao país enquanto foge no avião (uma cena que foi cortada da versão que passou em Portugal) e Fátima arranja um casamento de conveniência com um príncipe homossexual e César segue com eles.    

Outras personagens marcantes foram Aldeíde Candeias (Lília Cabral), irmã de Poliana e secretária da TCA, que sonha em ser rica e famosa até que consegue casar com um português rico; Eugénio (Sérgio Mamberti) o chefe da criadagem dos Roitman que adora fazer referências cinematográficas: Sardinha (Otávio Müller), colega e melhor amigo de Solange; e Renato (Adriano Reys), director da revista onde trabalham Solange e Sardinha e primo de Marco Aurélio. 

Aldeíde e Consuelo

Do elenco fizeram ainda parte actores como Rosane Gofman (Consuelo), Maria Gladys (Lucimar), Daniel Filho (Rubinho), Stepan Nercessian (Jarbas), Marcos Palmeira (Mário Sérgio) e na sua estreia na Globo, Marcello Novaes (André). 

"Vale Tudo" foi uma telenovela muito bem conseguida em toda a linha, tendo tido grande sucesso tanto no Brasil como em Portugal, com excelentes desempenhos de todo o elenco e a mestria já habitual de Gilberto Braga, sendo  considerada uma das melhores obras do célebre teledramaturgo. Regina Duarte, António Fagundes, Lídia Brondi, Glória Pires e Carlos Alberto Ricelli desempenharam habilmente os vários pontos do espectro da ética ou da falta dela mas sem dúvida que foi Beatriz Segall quem mais brilhou como Odete Roitman, que ficaria eternizada como uma das vilãs mais icónicas e odiadas da história das telenovelas brasileiras. Até porque um dos seus traços principais era o ódio ao Brasil. Lembro-me que na cena do seu funeral, algumas personagens comentavam que ser enterrada no Brasil e não num país que Odete considerava mais desenvolvido e digno de si foi o pior castigo que a megera poderia ter tido.  

Em 2002, "Vale Tudo" teve uma adaptação latino-americana co-produzida pela Rede Globo e a Telemundo, na altura em que ainda era raro ver telenovelas brasileiras adaptadas para esse público. A telenovela portuguesa "Tempo De Viver" de 2006, protagonizada por Alexandra Lencastre e Margarida Vila-Nova, também foi claramente inspirada por "Vale Tudo" que também contrapunha uma mãe honesta e trabalhadora contra uma filha pérfida e interesseira, à caça de um noivo rico e envolvida com um gigolô. 

Genérico de abertura (versão original):


Genérico na versão internacional:



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