segunda-feira, 11 de junho de 2012

Iodo "Malta à porta" (1981)

por Paulo Neto

Ao entrar na década de 80, Portugal tinha por fim ultrapassado a ressaca cultural do 25 de Abril de 1974, feita de canções de intervenção, e estava agora receptivo a abraçar novas sonoridades. Se é certo que já nos anos 70 já se fazia rock interessante em Portugal, é corrente afirmar que foi na voz e guitarra de Rui Veloso, com o seu álbum "Ar de Rock" de 1980, que o rock português finalmente se massificou. O "Chico Fininho" que gingava pela rua ao som de Lou Reed andava na boca de toda a gente, mesmo se o conteúdo da algibeira ainda chocava ouvidos mais incautos.
A partir daí, ao longo de dois anos, dá-se o boom do rock português que domina as ondas hertzianas, as tabelas de vendas e os programas de televisão. Durante esse período, parecia que toda e qualquer banda rock podia aparecer do nada e obter o seu lugar ao sol. Multiplicavam-se as editoras independentes, floresciam as publicações musicais, ampliava-se o mercado discográfico, sobretudo os singles. As novidades sucediam-se quase todas as semanas. Até que em 1982, tão depressa como o fenómeno eclodiu, perdeu-se o vapor e assiste-se a um virar da página, onde só os mais fortes sobreviveriam.
Um dos principais sintomas desse período foram as one hit wonders que surgiram. Aquelas bandas que tiveram uma canção que os levou às luzes da ribalta para logo caírem no esquecimento. O mais famoso caso é o "Patchouly" dos Grupo de Baile, mas também contaram-se nomes como os CTT, os Street Kids e os Iodo.



Foi em 2004, ao ouvir o segundo volume da colectânea "O Melhor do Rock Português" que ouvi pela primeira vez "Malta à porta", o único hit dos Iodo. Trata-se de um mini-épico de três minutos e picos que consegue ser simultaneamente pop orelhudo, rock psicadélico, punk, new wave e alternativo. Prima também para a originalidade de ter um loop de sintetizador no lugar de um refrão e de a meio da canção interromper o andamento inicial para se transformar num delírio instrumental que vai acelerando para terminar como começou, num coro de "oh oh oh". Nota-se que a banda queria encaixar todas as suas ideias individuais numa amálgama comum, mas o resultado acaba por ser interessante e desprovido da confusão assalganhada em que facilmente poderia ter caído. 
E como se não bastasse a catadupa de influências, a letra era assumidamente inspirada por Sérgio Godinho. Aliás, o guitarrista Jorge Trindade afirma que o verso "não queiras assinar documentos em papel molhado" era um decalque descarado da poética godinhiana. E tal como os resquícios da censura passaram um apito sobre o pentelho do "Patchouly", também os pudores de então levaram a que a banda aceitasse a sugestão do produtor do single a trocarem "lixado" por "cansado". 



Os Iodo eram compostos por Rui Madeira (voz), Jorge Trindade (guitarras), António "Topé" Pedro (baixo), Alfredo Antunes (bateria) e Luís Cabral (teclas). O quinteto da Margem Sul formou-se em 1979 e estreou-se no obrigatório estaleiro do Rock Rendez Vous a 3 de Fevereiro de 1980. Para financiarem o projecto, tinha um grupo de baile em paralelo, Os Eléctrico. Abriram vários concertos dos UHF e chegaram a fazer a primeira parte de um concerto de Iggy Pop em Cascais. Até que em 1981, "Malta à porta" torna-se um hit nas rádios. Na Rádio Comercial, chega ao n.º 1 do "Rock em Stock" e passa quatro meses nos primeiros lugares do "TNT - Todos no top". Porém, não conseguiram repetir a glória com o single seguinte, "A Canção" nem com o único álbum "Manicómio", já em 1982, e nesse ano, o grupo termina. Só Jorge Trindade continuou ligado à música. Por exemplo, Rui Madeira foi dirigir a oficina de reparações automóveis do seu pai em Cacilhas. 




Se pensas em andar pela rua à procura do amanhã

Podes ficar bem contigo, mas não és só tu

Não podes ficar preso a uma ilusão
Tens de ter amigos a quem dar a mão

Não queiras assinar documentos em papel molhado
Pois ao fim e ao cabo sais sempre lixado/cansado
Tens de fazer força pelo que há-de vir
Abre a tua mente e deixa-te ir
Deixa-te ir

Vejo malta à porta, vejo malta à porta

Há malta à porta, há malta à porta 

Jorge Trindade tem um blogue sobre a banda: http://ruijorgetrindademusico.blogspot.pt/2007/05/o-iodo.html

ACTUALIZAÇÃO: O nono episódio do excelente podcast "Brandos Costumes" é uma entrevista a Jorge Trindade onde fala do começo da banda, da sua rápida ascensão e ainda mais fulgurante queda e das loucura do baixista Topê.

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