terça-feira, 26 de junho de 2012

O Verão Azul (1981-1982)

por Paulo Neto

No início dos anos 80, uma série espanhola capturou habilmente toda a essência do Verão. A praia, as brincadeiras, as aventuras, os namoricos, os passeios. Mas também soube capturar os ventos de mudança que sopravam na Península Ibérica nessa altura bem como toda uma liberdade recém-adquirida, alterando mentalidades e questões sociais. Por isso, essa série tornou-se uma autêntica cápsula do tempo e o seu legado ainda hoje habita no imaginário da geração dos jovens protagonistas enquanto ainda consegue encantar novas gerações.


Obviamente que falo de "O Verão Azul" ("El Verano Azul"), provavelmente a mais famosa série ibérica a nível internacional. Os dezanove episódios foram filmados entre Agosto de 1979 e Dezembro de 1980, tendo sido exibida em Espanha pela primeira vez na TVE entre 1981 e 1982, curiosamente durante o Inverno. Mas desde então a série tem sido reposta no país vizinho em vários Verões seguintes, ao ponto de uma dos motivos pelos quais os petizes espanhóis ansiavam pelas férias grandes era voltarem a ver "O Verão Azul". Em Portugal, a série foi transmitida pela primeira vez na RTP no Verão de 1982 e foi reposta algumas vezes, sobretudo no programa "Agora Escolha", sendo que por cá optou-se por exibir cada episódio em duas partes.
Para a história ficou também o genérico com os protagonistas a andarem de bicicleta e a música com assobios, composta por Carmelo Bernaloa, que está gravado no disco rígido de todo o cidadão ibérico que era vivo nos anos 80.



A série girava à volta de um grupo de sete jovens de férias em Nerja (Málaga) e que vão vivendo muitas aventuras, enquanto também vão aprendendo várias lições de crescimento. São eles: Bea (Pilar Torres), a menina bonita do grupo; Desi (Cristina Torres), que tem pais separados e passa férias com a mãe e a tia; Javi (Juan José Artero), rapaz rebelde e orgulhoso que costuma entrar em conflito com o pai; Pancho (José Luis Fernandez), o  rapaz local, que é moço de entregas da mercearia dos tios; Manolito, mais conhecido como Piraña (Miguel Angel Valero), assim chamado por ser gordo e estar quase sempre a comer qualquer coisa; Tito (Miguel Joven), irmão de Bea e o mais pequeno do grupo; e Quique (Gerard Garrido) o melhor amigo de Javi e que era uma personagem algo vaga, comparado com todos os outros protagonistas. Ao longo do Verão, entre aventuras e desventuras e até algumas brigas, pois Pancho e Javi disputam Bea, os sete acabam por firmar uma forte amizade, que se estende a dois adultos: Julia (Maria Garralón) e Chanquete (Antonio Ferrandis).
Julia é uma pintora solitária que se torna uma espécie de tia porreira dos miúdos, com a sua mentalidade aberta e compreensão pelos problemas deles. Chanquete é um velho marinheiro, a quem o seu duro exterior esconde um bom coração e torna-se um avô adoptivo do grupo (e até dos espectadores!). Daí que a sua morte no penúltimo episódio seja uma dura lição de perda para os jovens e tenha feito chorar Espanha.


"O Verão Azul" foi também uma série inovadora ao abordar assuntos até então pouco abordados no panorama audiovisual ibérico como o divórcio, o conflito de gerações, o direito ao protesto, o meio ambiente, a especulação imobiliária e a liberdade da nova geração. Existe uma certa delineação metafórica das personagens, com os jovens a representarem a liberdade recém-conquistada e os pais deles a simbolizarem os valores antigos. Por exemplo, Javier (Manuel Gallardo), o pai da Javi, é um homem autoritário, que só pensa nos negócios e que reage mal à rebeldia do filho - pelo que os dois estão sempre em conflito - e acha que Julia não é uma boa influência para os garotos. Os pais de Tito e Bea, Carmen (Elisa Montés) e Agustín (Manuel Tejada) têm visões diferentes da paternidade: Carmen é mais conservadora e até nem gosta muito que Bea seja amiga de Desi só por esta ter os pais separados, Agustín é mais compreensivo com os jovens e costuma afirmar que os tempos são outros, se bem que quando é preciso, também saiba repreender, como quando a filha sai em segredo com um rapaz mais velho. No núcleo dos pais, recordo também os pais do Piraña, Naty (Ofelia Angelica) e Cosme (Manuel Brieva) que, como não podia deixar de ser, também eram tão gorduchos e divertidos como o filho.

Além de Espanha e Portugal, a série foi exibida em vários países, sendo a série ibérica mais importada de sempre. Outro país onde a série teve grande impacto foi na Bulgária. Existem várias histórias de encontros entre búlgaros e espanhóis em que o primeiro assunto a ser falado é "O Verão Azul". Para a geração de 70 e 80 desse país, foi a primeira vez que assuntos como o estilo de vida hippie foram exibidos na televisão. E quem tem o canal búlgaro BNT na televisão por cabo, já deve ter apanhado lá algum episódio da série, dobrada em búlgaro.

Como toda a miudagem da época, eu adorava a série. Lembro-me de brincar ao "Verão Azul" no quintal da minha avó, inventando que eu era mais um membro da pandilha, "Pablo Butragueño". Faço ideia a minha avó a ver-me a correr de um lado para o outro a falar portunhol...

Eu pensava que todos os jovens actores do "Verão Azul" tinham continuado o sucesso em adultos, mas isso só se aplicou a Juan José Artero que esteve vários anos na série "La Comisaria" onde conseguiu que o público espanhol deixasse um pouco de lado o Javi. Os outros, apesar de algumas tentativas, incluído na música (Pancho y Javi e Tito y Piraña), acabaram por seguir outros rumos. Pilar Torres e José Luis Fernandez chegaram a ter problemas com drogas, de que felizmente conseguiram recuperar. Pilar e Cristina Torres, que eram irmãs na vida real, são hoje enfermeiras; Miguel Joven é recepcionista de um hotel em Nerja e criou uma linha de merchandising da série; Miguel Angel Valero é professor na Universiade Politécnica de Madrid, onde é da praxe os seus alunos entrarem na aula a assobiarem o tema da série; Maria Garralón continua activa em televisão (vimo-la na série "Farmácia de Serviço", exibida na TVI nos anos 90) e  Antonio Ferrandis faleceu em 2000, mas a sua morte foi muito menos noticiada na imprensa que a do Chanquete.

Reunião do elenco em 2011

Em 2001, por ocasião dos 20 anos da série, o elenco reuniu-se para ser homenageado pela Câmara Municipal de Nerja. O já falecido Antonio Ferrandis e o criador da série, Antonio Mercero tiveram direito a nomes de ruas, tendo também sido inauguradas placas com os nomes das personagens e dos actores, um parque e um restaurante com o nome da série e uma réplica do La Dorada, o barco do Chanquete.

Em 2010, foi anunciado que iria ser rodado um remake da série passado na actualidade e o nome de Juan José Artero chegou a estar indicado para o papel do Javi em adulto. Mas até ao momento, o projecto ainda não saiu do papel.

Cromo sobre o "Verão Azul" na "Caderneta de Cromos"(cromo n.º 213, 5.5.2010): link YouTube
Cromo n.º 585 (25.3.2010), à conversa com Miguel Angel Valero, o Piraña do "Verão Azul": http://podcastmcr.clix.pt/rcomercial/cdc02_250311.mp3

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1 comentário:

  1. Revi a serie toda há cerca de três anos, adorei a qualidade e relevância, passados quase 3 décadas. Aconselho a rever e claro os mais novos a descobrir! Se não fosse preguiçoso eu já tinha acabado o rascunho (de 2009!) do meu texto sobre a série :) O do Paulo está bem melhor que o meu :D

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